Diário de Gênero: Sociedade, melhore! As Vereadoras de Salvador e os projetos de lei de 2009 a 2016

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Na última semana participei da banca de defesa de monografia de Ilana Deiró de Souza, agora assistente social formada pela UFBA, orientada pela Profa. Márcia Tavares. O trabalho foi intitulado “As Vereadoras de Salvador: um estudo dos projetos de lei de 2009 a 2016” que analisou as proposições das vereadoras mulheres de Salvador no período, que totalizaram apenas onze cadeiras na Câmara de Vereadores de Salvador. Em breve estará disponível para a leitura pública no Repositório Institucional da UFBA. Ilana analisou os projetos dessas vereadoras que focavam na ampliação dos direitos das mulheres no município de Salvador/BA, ou seja, recortou da totalidade dos projetos por elas apresentadas apenas aqueles relacionados com a agenda feminista e das mulheres.

Um primeiro título que pensei para essa coluna foi, “Mulheres, Melhorem!”. Isso porque, por mais que Ilana tenha declarado seu posicionamento político em favor de um projeto de ampliação de direitos e de políticas sociais para as mulheres, suas próprias representantes, pelo que percebi, apresentaram menos projetos de defesa da igualdade de gênero do que algumas que, há tempos, são denunciadas pelo movimento feminista como “anti-feministas” e “de direita”. Ou seja, uma das vereadoras “de direita” e “anti-feminista” foi a que mais promoveu a igualdade de gênero na Câmara de Vereadores do município de Salvador/BA. Após esse pensamento inicial questionei-me sobre o meu próprio lugar de fala e se caberia a mim fazer esse chamamento às nossas representantes de maior compromisso com a igualdade de gênero. Como pode uma vereadora “de direita” e “anti-feminista” ser a que mais apresentou e aprovou projetos de igualdade de gênero na Câmara de Vereadores de Salvador/BA? Seria um oportunismo? A “direita” estaria “se apropriando” da agenda feminista?

Ao ler a excelente análise de Ilana percebi que o mundo da política, particularmente para quem faz adesão ao projeto feminista de igualdade entre os sexos, está embaçado, talvez disruptivo. A disrupção faz com que, num universo de mulheres na política, imaginemos que defendem a igualdade de gênero apenas aquelas cujas trajetórias dos partidos com as lutas sociais promovem a equidade de gênero. Entretanto, em nossas pesquisas sobre a participação de grupos subalternos no poder vemos que, para muitas dessas mulheres, a disputa eleitoral é apenas o primeiro passo na assunção de sua identidade feminista, ou seja, diferente de décadas anteriores, várias mulheres tem se tornado feministas pela primeira vez durante o processo eleitoral como candidatas.

Assim acredito que Ilana foi a que mais fortemente incorporou a provocação da Profa. Salete Maria da UFBA que afirma que, para decidirmos em quem vamos votar, é necessário analisarmos os projetos apresentados por elas e os votos favoráveis ou contrários a determinados projetos de lei. Os resultados de Ilana mostram que a igualdade de gênero está dispersa em partidos de direita e esquerda o que faz com que a análise de Nancy Fraser de que o feminismo tem sido usado para “legitimar políticas prejudiciais para a esmagadora maioria das mulheres” seja verdadeiro.

Acredito que não é possível analisarmos o grau feminista de um mandato pelo número de projetos apresentados, mas pela eficácia das leis que foram aprovadas e dos embates cotidianos travados por essas mulheres no mundo da política. E também acredito que mandatos que apresentaram poucos projetos feministas, mas que buscaram combater a pobreza, promover a cidadania de grupos subalternos e denunciar os desmandos da política elitista e androcêntrica também podem ser considerados, em certa medida, feministas. Além disso há que se considerar as barreiras enfrentadas pelas mulheres para ascensão no mundo da política, particularmente o sexismo, o racismo e a LGBTfobia.

Para melhorar a qualidade da governança no Brasil é necessária maior diversidade nas instituições de representação política. Nossas instituições têm como característica o gênero único (masculino), a monocromia (brancos), o capacitismo e a heterossexualidade compulsória. Precisamos pluralizar nossas instituições que devem ter a cara do povo brasileiro: negro, indígena, feminino, LGBT, deficiente, pobre… Para isso não basta que as mulheres melhorem, como equivocadamente pensei no início dessa coluna, mas que a sociedade melhore. É uma tarefa coletiva democratizarmos as instituições de representação política dando a elas a nossa cara.

Texto: Prof. Dr. Felipe Bruno Martins Fernandes | Professor do Bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade da UFBA e Coordenador do GIRA.

Leia o Texto de Nancy Fraser: http://feminismo.org.br/entrevista-com-nancy-fraser-um-feminismo-em-que-romper-barreiras-nao-rompe-com-a-exploracao/

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