Diário de Gênero: Denice Santiago x Vilma Reis e as facetas de um sistema político opressor

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O mais recente Processo de Eleições Diretas (PED) do PT de Salvador me deixou bastante reflexivo, mas não foi sobre os meandres eleitorais, e sim sobre o contorno de gênero que tomou, com uma forte polarização simbólica pré e pós PED, dos grupos encabeçados pelas candidatas, Denice Santiago e Vilma Reis.

A major Denice Santiago foi a escolhida no pleito. Admiro pessoas de ambos os lados e sei que a derrota de Vilma Reis não tem sido fácil para muita gente que eu amo. Por isso, reservo-me aqui a falar de amor de AMOR, de um outro olhar sobre o tema, e espero que também entendam dessa forma.

Tenho visto mais de uma companheira, pessoas que admiro e confio, acusando a Major Denice de plágio ou apropriação da propriedade intelectual de outra mulher negra, pelo uso do slogan “Agora é Ela”. É certo que Vilma Reis fez uma campanha linda e de muita bravura. Ela mesma sabe que eu acompanhei ativamente várias de suas aparições e lives, desde que Vilma iniciou sua campanha em junho de 2019, como ela mesma apontou em sua postagem de agradecimento por todo o apoio que recebeu no pleito.

Considero que a escolha do partido foi equivocada, pois o PT há muito não é o partido onde lideranças podem usar para se candidatar em nome de seus movimentos. Isso já mostrava nossa pesquisa sobre a participação das subalternizadas na política (2014 e 2016). Além disso, outro dado que já tinha aparecido em nossa pesquisa é o quanto mulheres negras, de esquerda e direita, são execradas da cena política quantitativa e qualitativamente [falarei adiante], principalmente quando falamos de cargos mais robustos nos Executivos, Municipal, Estadual ou Nacional [Confira artigo de Salete Maria sobre a temática].

Acho que não aproveitar o momento para aprofundar as reflexões sobre a baixa participação feminina na política e ou o baixo poder de decisão das mulheres nos pleitos, para atacar Denice por plágio ou roubo de propriedade intelectual, joga para debaixo do tapete a discussão de fundo aquela verdadeiramente machista, racista e androcêntrica

O PT se tornou um partido eleitoreiro sem adesão ou respeito às suas bases, principalmente às mulheres negras que se reuniram em torno da candidatura de Vilma Reis. Essa crítica não parte de um antipetista, pelo contrário, parte de uma pessoa de esquerda, que acredita em um governo com justiça social. Execrar publicamente Denice, uma mulher negra que se dedicou às lutas no combate à violência contra a mulher, não vai resolver o problema. Ela não é o problema! O problema é a cúpula, as portas fechadas, o desrespeito e a ânsia eleitoral acima de tudo.

Execrarmos mais uma mulher negra na cena política não trará novidade ou transformação. Pior, é a norma! Acontece com todas: Célia Sacramento, Benedita da Silva, Tia Eron, Matilde Ribeiro e muitas outras! Não votarei em Denice no primeiro turno, tampouco vou execrá-la. Respeito muito a sua trajetória, luta e compromisso. Temos que respeitar as trajetórias das mulheres negras que alcançam esses postos de liderança e poder. Elas são minoria!!!! E precisamos pautar a agenda de “mais mulheres negras no poder”!

Precisamos de cautela nesse momento. O jogo do PT foi extremamente questionvável para não dizer sujo, com Vilma Reis, mas a culpada não foi Denice. Vilma, que tanto admiro, também não teve a agulha tão assertiva na estratégia, mas deixou sua marca. Quem quiser conhecer um pouco mais sobre a trajetória de Denice Santiago, sugiro a leitura da entrevista publicada na Cadernos de Gênero e Diversidade, já há bastante tempo: https://portalseer.ufba.br/index.php/cadgendiv/article/view/22781/14752

 

Prof. Dr. Felipe Bruno Martins Fernandes
Bacharelado de Estudos em Gênero e Diversidade (BEGD)
Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismos (PPGNEIM)
Colaborador dos Programas PPGA e POSAFRO
Grupo de Estudos Feministas em Política e Educação (GIRA)
http://www.generoesexualidade.ffch.ufba.br/​
Universidade Federal da Bahia

 

 

 

 

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